29/10/2025 09:54 - Fonte: Isabella Serena - Assessora de comunicação Arpen/PR
Gênero neutro, multiparentalidade e retificação facial: como essas mudanças impactam o cotidiano dos cartórios
O Registro Civil tem se consolidado como um espaço de avanços jurídicos e sociais que, até pouco tempo, pareciam restritos ao ambiente acadêmico ou às cortes superiores. Nos últimos anos, três temas principais ganharam destaque tanto na sociedade quanto nas serventias: a adoção do gênero neutro, a multiparentalidade e as retificações faciais.
Gênero neutro: uma decisão histórica do STJ
Em maio de 2025, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, permitir a inclusão do gênero neutro no registro civil, mesmo que a pessoa não se identifique com o gênero masculino ou feminino.
Na prática, isso significa que os cartórios já estão aptos a atender pessoas não-binárias que desejam ajustar seus registros para refletir sua identidade de gênero, ainda que não exista legislação específica sobre o tema.
“É necessário garantir respeito e dignidade a todos que possuem gênero não-binário e desejam definir sua identidade de gênero, a fim de evitar que sejam estigmatizados e marginalizados legalmente”, destacou a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso.
Para os cartórios, o precedente exige atenção especial à retificação extrajudicial, conforme o Provimento nº 149/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), além de reforçar a importância de um atendimento acolhedor, registros precisos e fluxos administrativos atualizados.
Multiparentalidade: novas formas de reconhecer vínculos familiares
O reconhecimento da multiparentalidade é outra mudança com grande impacto prático no Registro Civil. Desde 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhece que uma pessoa pode ter múltiplos vínculos parentais — biológico e socioafetivo — simultaneamente registrados.
Esse entendimento repercute diretamente nas serventias, especialmente nos registros de nascimento, averbações de paternidade ou maternidade e adaptações dos sistemas eletrônicos. Na prática, os cartórios precisam estar preparados para acolher solicitações de reconhecimento simultâneo de diferentes vínculos familiares, assegurando o direito à identidade e à filiação.
Além do binário: alterações de nome, gênero e aparência
Os cartórios também têm observado um aumento expressivo nos pedidos de alteração de prenome, gênero e aparência, especialmente de pessoas trans e não-binárias. A digitalização dos serviços contribuiu para tornar esses procedimentos mais ágeis e acessíveis.
Desde 2018, houve um crescimento de 249% nas mudanças de registro, com 290 averbações realizadas em 2024: sendo 156 alterações do feminino para o masculino, 115 do masculino para o feminino e 19 sem mudança de gênero.
De acordo com o Provimento nº 149/2023 do CNJ, esses procedimentos podem ser realizados de forma extrajudicial, diretamente nos cartórios, sem a necessidade de ação judicial. O oficial deve garantir a verificação documental (RG, CPF, laudos ou declarações de identidade), efetuar a averbação e assegurar a integridade e confidencialidade das informações.
Efeitos práticos e público beneficiado
Quem é impactado: pessoas não-binárias, famílias com mais de um pai e/ou mãe, e indivíduos que desejam alterar nome, sexo ou gênero no registro civil.
Quem atua: oficiais e equipes dos Registros Civis das Pessoas Naturais, corregedorias estaduais, e sistemas eletrônicos integrados, como o Operador Nacional do Registro Civil das Pessoas Naturais (ON-RCPN) e a Central Nacional de Informações do Registro Civil (CRC Nacional).
Essas transformações consolidam o Registro Civil como um instrumento essencial de efetivação da cidadania, promovendo a inclusão e o reconhecimento da diversidade humana em sua forma mais legítima: o direito de ser quem se é.