18/09/2025 16:48 - Fonte: AssCom ANOREG/BR
Presentes em todos os municípios do país, Cartórios brasileiros asseguram direitos básicos, reduzem o sub-registro civil, desafogam o Judiciário e modernizam o acesso à cidadania com soluções digitais
Imagine uma comunidade ribeirinha isolada na Amazônia, ou um povoado no sertão nordestino. Mesmo nesses rincões distantes, há um Cartório local pronto para registrar o nascimento de uma criança, formalizar um casamento ou autenticar um documento. Essa onipresença não é por acaso: os Cartórios extrajudiciais formam uma rede capilar que cobre 100% dos 5.569 municípios brasileiros, garantindo que os direitos de cidadania alcancem os brasileiros em todos os cantos do país. Hoje, são 12.512 unidades extrajudiciais espalhadas pelo território nacional, prestando serviços que vão do registro civil básico à regularização de imóveis, notas e protestos. Essa estrutura assegura que mesmo comunidades remotas tenham acesso a documentos e serviços essenciais sem precisar viajar a grandes centros urbanos.
Por determinação legal, cada município brasileiro deve contar com pelo menos um serviço registral. A Lei nº 8.935/1994, que organiza os serviços notariais e de registro, assegura essa obrigatoriedade, reforçada por normas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Na prática, isso se traduz em milhares de pequenos Cartórios atuando como “embaixadas” da cidadania nas localidades mais remotas. Em muitos distritos do interior, o Cartório é o único órgão presente do sistema de Justiça, tornando possível que habitantes registrem um filho, obtenham uma escritura ou reconheçam firmas sem viajar horas ou dias até a cidade maior mais próxima.
Essa capilaridade única é frequentemente citada como motivo para delegar novas funções aos Cartórios. Quando o Brasil aderiu à Convenção de Haia de 1961, por exemplo, o CNJ escolheu os Cartórios como agentes para emitir a “Apostila” (legalização de documentos para validade no exterior) justamente devido à sua presença abrangente. Fabrício Bittencourt, juiz auxiliar do CNJ, explicou que “a escolha foi em virtude da capilaridade dos Cartórios”, permitindo descentralizar serviços que antes exigiam deslocamentos caros a capitais.
Um dos frutos mais palpáveis da presença onipresente dos Cartórios é a drástica redução do sub-registro civil de nascimento no Brasil. “Sub-registro” refere-se às crianças que não são registradas em Cartório dentro do prazo legal (até 15 dias após o nascimento, extensível a 3 meses em locais distantes). Sem registro, esses brasileiros “invisíveis” não possuem existência legal, não podem obter CPF, nem matricular-se em escola ou acessar serviços de saúde adequadamente. Na virada do século, o sub-registro era um problema grave, especialmente em áreas rurais e na Amazônia. Hoje, porém, o Brasil se aproxima de erradicar esse fenômeno: apenas 1,31% dos recém-nascidos de 2022 não foram registrados em tempo, segundo dados do IBGE, o menor índice já observado desde o início da série histórica em 2015. Para efeito de comparação, em 2015 o país estimava cerca de 130 mil crianças sem registro; em 2022 esse número caiu para 33,7 mil (de um total de 2,57 milhões de nascidos).
Esse salto de quase 3 pontos percentuais de cobertura em poucos anos é creditado a uma combinação de esforços públicos e ao trabalho proativo dos Cartórios. Hoje é comum que maternidades tenham unidades interligadas de Cartório, permitindo que os pais saiam do hospital já com a certidão do bebê em mãos. Além disso, iniciativas como Cartórios móveis indo a comunidades indígenas, quilombolas ou ribeirinhas, e campanhas de conscientização sobre a importância do registro civil, têm levado a certidão a locais antes inacessíveis.
As disparidades regionais, contudo, mostram onde ainda há trabalho a fazer. No Sul e Sudeste, o sub-registro de nascimento já é praticamente residual (0,21% e 0,35%, respectivamente), enquanto no Norte ainda atinge 5,11% dos nascidos, reflexo da grande extensão territorial e dificuldades de acesso na região. Estados como Roraima registram os maiores índices (14,2% em 2022), especialmente entre crianças de comunidades indígenas isoladas. Já o Paraná destaca-se com o menor percentual nacional (apenas 0,17% sem registro). Esses números evidenciam que, embora quase universalizado, o registro civil demanda atenção diferenciada onde obstáculos geográficos e culturais persistem. Ainda assim, a tendência é clara e positiva: com Cartórios presentes até nas fronteiras mais remotas, o Brasil caminha para assegurar que nenhuma criança fique sem identidade civil.
Desjudicialização: soluções rápidas fora dos tribunais
Além de registrar os grandes momentos da vida civil, a rede de Cartórios tornou-se protagonista em um movimento crescente de desjudicialização, ou seja, a resolução de certas demandas de forma extrajudicial, aliviando a sobrecarga do Poder Judiciário. Nos últimos 15 anos, diversas atribuições que antes só poderiam ser feitas via processo judicial passaram a ter alternativa nos Cartórios, de modo consensual, ágil e com segurança jurídica. Os resultados já são expressivos. A começar pelos divórcios: desde a Lei 11.441/2007, casais sem filhos menores e de comum acordo podem se divorciar em Cartório. De 2007 até meados de 2023, o país ultrapassou a marca de 1 milhão de divórcios extrajudiciais realizados. Isso representou um enorme desafogo para as varas de família.
Em 2021, por exemplo, houve 386 mil divórcios concedidos no Brasil (via judicial ou escritura); já em 2022 foram mais de 420 mil – o maior número da série histórica, impulsionado justamente pelo avanço da via extrajudicial. Aproximadamente 79,7 mil divórcios (19% do total) ocorreram em Cartório em 2022, e a tendência é de crescimento contínuo dessa modalidade desde 2007.
Os benefícios são nítidos tanto para os cidadãos quanto para o Estado. Um divórcio lavrado em Cartório pode ser concluído em poucos dias ou até no mesmo dia, se a documentação estiver em ordem. Já na Justiça, mesmo um divórcio consensual demora em média 718 dias (quase dois anos) para transitar em julgado. A rapidez traz alívio emocional às partes e permite que sigam suas vidas mais cedo, enquanto os tribunais podem dedicar recursos a casos mais complexos ou litigiosos. Andrey Guimarães Duarte, vice-presidente do Colégio Notarial do Brasil em São Paulo, avalia que “foi uma decisão acertada do legislador, que viu nos Cartórios … uma forma rápida de desburocratizar o dia a dia do cidadão”, ao comentar a Lei do Divórcio em Cartório. Ele acrescenta que, além de agilizar a vida dos cônjuges, a medida “evidencia a importância dos Cartórios para desafogar o Judiciário… as cortes podem priorizar outros processos”.
O divórcio amigável foi só o começo. Inventários e partilhas de herança também foram autorizados em Cartório pela mesma lei de 2007 (desde que todos os herdeiros sejam capazes e haja consenso). O efeito foi gigantesco: mais de 2,6 milhões de inventários foram concluídos extrajudicialmente no Brasil até 2024, segundo dados do relatório Cartório em Números. A opção não só poupa as famílias de longa espera judicial como reduz custos, evitando despesas processuais e honorários prolongados, e libera os juízes para conflitos que realmente exijam uma decisão contenciosa.
Em 2023, o CNJ deu mais um passo adiante ao permitir que inventários envolvendo menores de idade (normalmente um caso que exigiria juiz) possam também ser feitos em Cartório, desde que com supervisão do Ministério Público para proteger os interesses do menor. A medida indica confiança crescente na habilitação técnica e imparcialidade dos notários para tratar de temas sensíveis, sob fiscalização adequada.
Leia mais sobre desjudicialização na reportagem “Cartórios impulsionam desjudicialização e aliviam a Justiça brasileira”
Cabe frisar que, em todos esses atos extrajudiciais, a segurança jurídica é resguardada: as partes contam com a orientação de advogados obrigatoriamente (no caso de divórcios e inventários), e os notários/registradores agem como agentes imparciais, legalmente habilitados e fiscalizados. Quando há qualquer dúvida jurídica ou desacordo, o caso não prossegue em Cartório e deve ser remetido ao juiz competente. Assim, a desjudicialização ocorre apenas onde é adequada, nos casos de consenso, mantendo o Judiciário como retaguarda para as controvérsias. O sucesso brasileiro nessa agenda já chama atenção internacional: a revista Cartório em Números 2024 aponta que o movimento extrajudicial gerou ganhos concretos de eficiência e economia, sinalizando um caminho irreversível.
Impacto social e modernização do atendimento
Para além dos números e da economia processual, a rede de Cartórios brasileiros produz um impacto social profundo, frequentemente silencioso, na vida das comunidades. Ao garantir a cada cidadão uma certidão de nascimento, um CPF logo ao nascer, ao viabilizar casamentos civis comunitários, reconhecer paternidades de forma voluntária, ou oficializar compras e vendas que antes ficavam apenas “de boca”, os Cartórios promovem cidadania e segurança jurídica na base da sociedade. Muitas vezes, é no Cartório local que populações vulneráveis encontram acolhimento em mutirões documentais, seja para emitir a 2ª via de certidões perdidas em enchentes, seja para registrar adultos que nunca tiveram documento algum. Esses esforços solidários, geralmente em parceria com órgãos públicos e ONGs, transformam vidas ao tirar indivíduos da invisibilidade civil e permitir acesso a benefícios sociais, emprego formal e direitos básicos.
Os Cartórios também cumprem o papel de guardiães da memória coletiva. Em seus livros e acervos estão registrados séculos de história das famílias brasileiras, nascimentos, casamentos, óbitos, escrituras patrimoniais. Essa função arquivística assegura que, mesmo que gerações passem, haja um fio documental que conecta o cidadão às suas origens e propriedades. Casos emblemáticos ilustram essa importância em situações de calamidade: após tragédias como enchentes ou incêndios que destroem tudo, é frequentemente pelo Cartório que as pessoas conseguem recuperar provas de sua existência legal (nome, filiação, imóveis), imprescindíveis para recomeçar. Preservar esses registros com segurança e acessibilidade, hoje cada vez mais em meio digital, é parte do compromisso social das serventias extrajudiciais.
Outro aspecto digno de nota é a modernização do atendimento nos Cartórios, que vem ampliando ainda mais o alcance dos serviços. A pandemia de COVID-19 catalisou essa transformação: em 2020, por exemplo, foi implementado o e-Notariado, uma plataforma que permite realizar atos dos Cartórios de Notas de forma remota com certificação digital e videoconferência. Com isso, um brasileiro residindo em qualquer lugar do mundo pode, por exemplo, fazer um divórcio online diante do tabelião, sem precisar retornar ao Brasil. Essa inovação, que soaria futurista anos atrás, mostrou-se segura e efetiva, e veio para ficar, expandindo o alcance virtual da rede de cartórios. Hoje já é possível solicitar certidões pela internet (por meio de portais unificados), fazer escrituras eletrônicas e até registros de imóveis eletrônicos. Isso complementa a capilaridade física com a digital, garantindo que nenhum brasileiro, esteja onde estiver, fique sem acesso aos serviços notariais e de registro.
Em suma, a rede de Cartórios extrajudiciais do Brasil constitui um pilar essencial da cidadania e da segurança jurídica nacional. Sua presença em todos os municípios garante que direitos fundamentais, como o reconhecimento da existência de cada pessoa e a validade dos negócios privados, estejam ao alcance de todos, e não privilégio de moradores dos centros urbanos. Os dados oficiais confirmam essa relevância: graças aos Cartórios, o Brasil atingiu cobertura quase universal de registro civil, tirou da Justiça milhões de processos desnecessários, economizando recursos, e agilizou a vida dos cidadãos em diversas esferas.
AssCom ANOREG/BR